Gosto muito de andar a pé por cidades e adoro fazê-lo no Porto pelas sensações que proporciona.
Como é característico na invicta, as pessoas falam e agem na rua sem medo e as coisas mais inacreditáveis acontecem à nossa frente. Num dia bonito como hoje, numa altura do ano em que a cidade fervilha com as baterias carregadas e ainda sem a carga negativa da chuva e do Natal, passear por aí é um banquete aos sentidos. Ao ponto de tirar os fones e reservar o leitor de MP3 para quando voltar de metro.
Houve um sentido que me foi especialmente estimulado desde Ramalde passado pelo Carvalhido, Oliveira Monteiro, Cedofeita e Praça de Parada Leitão: o odor.
As ruas estreitas e as casas antigas com quintal fizeram com que eu fosse com as narinas atentas ao que vinha do meu lado.
Quem nunca sentiu o cheiro dos quintais atrás do granito ou as lojas ancestrais que vendem fruta ou mercearias? As casas antigas com aromas de estrugidos, guisados, sopas e fritos.O moderno supermercado soltando odores de caixas de cartão e detergentes para a roupa. O cheiro alegre dos cabeleireiros, os restos ancestrais de vinho no chão das tascas, as prateleiras desinfectadas de farmácias e consultórios. O pinho de um soalho acabado de instalar ou do cimento fresco de uma obra. Ou uma simples viela de pedra carregada de musgo que de repente nos refresca com uma corrente de ar frio do campo.
Há um cheiro que supera todos, quando o sinto o mundo pára. A janela aberta da casa de uma velhinha a cheirar a isso mesmo: casa de velhinha. Um cheiro impossível de fazer em laboratório. São precisos muitos anos para se conseguir um cheiro assim. A loucinhas e rendinhas, lixívia e cera Gloco. Revistas de bordados, jornais, naftalina. Medicamentos e canalizações antigas. Sei lá, são milhares de nuances num só cheiro tão melancólico que me levou a escrever isto.
Amanhã pela mesma hora regresso.